terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Outsider Brazilis

     Em algum momento da vida, nos deparamos com o receio de sermos excluídos. Viver com esta possibilidade, exige maestria e habilidade para rancor e vitimização não se instalem. A problemática da exclusão acompanha a humanidade desde o início, sinalizando que quando ela aparece, algo nao vai bem. Excluir é uma tentativa frustada de conferir sentido ao que sentido não tem. Raça, sexo, classe social, idéias, crenças, opiniões e pontos de vistas fornecem exemplos de aspectos onde a exclusão tem feito história.

     O outsider representa aquele a partir do qual uma exclusão se firma, fixando uma disjunção entre branco e preto, homem e mulher, pobre e rico, indígena e civilizado. O pensamento vigente, ou a moral da hora, quando está prestes a sucumbir, denigre, debocha, desqualifica o que não compreende e o que para ela não tem sentido.


     Histórias sobre outsiders ja foram contadas pela literatura e pelo cinema que, por vezes, os glorificava. Caracterizado como estranho, incomum ou estrangeiro, tais histórias retratam a vida do indivíduo que viviam a margem do que se convencionou a ser usual. Contudo, a questão nao se assenta apenas no sujeito, o outsider problematiza o ponto de vista naturalizado sobre as coisas, o modo único de ver o mundo e a maneira, ou ainda, saber por que muitos fazem do consenso um sinônimo para a verdade.


     Escrito por Colin Wilson, The outsider foi um livro publicado em londres no ano de 1956. Elaborado no pós-guerra, e através de uma perspectiva existencialista, Wilson conduz sua narrativa cotejando as visões de Nietzsche, Dostoiévski, kafka, HG. Wells, T. Lawrence, George Bernard Shaw, Hemingway, Van Gogh, William Blake, Nijinsky e Ramakrishna, um místico do século XIX, porque em cada uma delas é possível encontramos um ponto de vista incomum sobre a sociedade. Estes autores, repudiavam o banal vigente na concepção de mundo em torno do qual muitos davam sentido as suas vidas.


     Para Wilson, o outsider não é uma aberração, mas um sujeito sensível ao que vive. Ele ''é principalmente um crítico, e como crítico, sente profundamente o que está criticando, se tornando um profeta de seu mundo.'' Creio que Wilson tenha sentido na pele, as agruras de fazer parte de um tempo no qual a interpretação de mundo diferia radicalmente da sua.

     Em uma entrevista no ano de 1998, Wilson afirmou que nao pensava a vida com um acaso sem sentido, lançado mão das prerrogativas de Satre. Segundo ele: ''meu sentimento sempre foi o o contrário , acredito que a humanidade esteja à beira de um salto evolutivo para um estágio mais elevado. ''Como brasileiro me pergunto: será meu caro Wilson?


     Os heróis do século XVII olhavam para dentro deles próprios tentando encontrar um sentido para as suas vidas, Hamelet é exemplo de um deles. Nos dias de hoje, a denominação outsider caiu em desuso pois para a grande maioria, pouco importa a condição humana se o sujeito tem seu celular, faz parte de redes sociais  e é membro da geração Y ou Z.

     Distante de Londres, o sujeito brazilis, imagino que nasceu pronto, portanto, se existe condição humana, ele é quem estabelece os parâmetros para tal e muda quando lhê convêm. O celular e as redes o completam, ele se sente um cidadão do mundo por que passa horas do seu dia conectado a algum aparelho. Wilson manteve um desdém pelo modo de vida de seu tempo, alegando que no vazio pouco se pode encontrar além de uma ausência de significação que dezumaniza, manipula e engana. Assim como aconteceu com a máquina de datilografia e a fita K7, o outsider virou peça de museu.





    (*) Sócrates Nolasco, dez/2013


   

domingo, 8 de dezembro de 2013

Igualdade Perante a Lei

     A lei tem sido parâmetro utilizado pelas sociedades democráticas para afirmar seu principal credo: o indivíduo é o valor. Em torno desta premissa o casamento pode ser repensado, bem como a família e a orientação sexual. Os anos 60 foram marcados por reflexões que até hoje servem como fio condutor para se pensar as liberdades individuais. A idéia de que estabelece que a minha liberdade é a liberdade do outro. Segundo este ponto de vista, a idéia de igualdade chega até do direito e leis são criadas. Homens e mulheres, brancos e outras etnias, hétero, homo e outras identidades sociais são contempladas pelo que até então era apenas direito do homem, branco e heterossexual .


     Quem pode ser casar? Quem deve usar elevador de serviço ou sentar no banco traseiro de um ônibus? Salários iguais para homens e mulheres? Os anos 60, 70 e 80 foram anos de conquista e afirmação do princípio da igualdade a partir dos quais as mulheres conquistaram sua reivindicação, os negros denunciaram o preconceito e homossexuais deixaram de ser considerados doentes pelo Código Internacional de Doenças Mentais, no ano de 1982. Nesta época, a alegria gerada por cada uma destas conquistas não permitiu que se pudesse pensar sobre: '' ficaremos iguais a que exatamente?''


     No mês passado, quando um juiz de Nova Jersey decidiu que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deveria ser legalizado, um homem que vive com outro a dezoito anos exclamou: "wow really" E complementou: "Nós estamos casados em todos os sentidos, isto não vai mudar nada em termos de como nos sentimos um em relação ao outros", disse Blatz que não vê muito sentido em se casar legalmente. 


     Contudo, eles não são os únicos a pensarem desta forma. Nos EUA o casamento entre pessoas do mesmo sexo é lei em catorze estados. Neles, todos tem o mesmos direitos e responsabilidades dos casais heterossexuais. Os casais homossexuais estão correndo para o altar? Não exatamente. Um grande número de casais homossexuais não querem se casar e seus motivos não são tão complexos e pessoais quanto a decisão de se casar.


     Para alguns, o casamento é uma instituição ultrapassada que leva os casais do mesmo sexo a adotarem o padrão que perpassa o imaginário social que criticam. Para outros, o casamento impõe encargos financeiros e complicações legais. Ainda há os que vêem o casamento não como um conto de fadas, mas como uma empreitada difícil para ser administrada que pode terminar em divórcio. E ainda há os que vêem o casamento como algo que vai contra suas crenças do que seja a união entre duas pessoas.


     " O casamento vem de um modelo muito, muito arcaico", disse Sean Fades, 34 anos, um artista de Nova York que foi o único que pediu para ser identificado como gay. " O casamento faz parte do modelo cristão opressivo que diz: ' Escolha uma pessoa que vai ser tudo para você, eles tem que ser perfeito, então, façam uma casa e tenha filhos,  se assim for, você será feliz. 'Muitos casais heterossexuais se sentem da mesma forma'', acrescentou. Afinal, nem todos os casais heterossexuais optam por se casar. Mas os casais do mesmo sexo parecem mais inclinados a serem um bom nicho de mercado para casamento e os serviços que são oferecidos para que ele se realize. 


     De acordo com  uma pesquisa da "Pew Research" divulga em junho deste ano, mais de 50% dos GLBT querem se casar. Mas se o casamento foi visto pelo feminismo como um modelo de opressão em relação a mulher, por que ele estaria sendo bem vindo para este grupo que viveu e vive a discriminação de uma forma sociedade que se apoia sobre a ideia de casamento?  


     A tensão feminista se manteve firme nos primeiros anos do movimento pelos direitos dos homossexuais. Paula L. Ettelbrick, figura de destaque na luta pelos direitos de gays e lésbicas, estava entre as opositoras do casamento entre pessoas do mesmo sexo, apresentando uma visão bem mais ampla acerca do que seja relacionamentos e família. Em 1989 disse ela a extinta Revist Out: " Não quero dar ao Estado o poder de regular o meu relacionamento com alguém". 


     Mas isso foi antes do casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornar realidade, pois os estados nortes americanos estenderam os direitos aos casais do mesmo sexo, e em seguida o Supremo Tribunal destruiu a Lei de Defesa do Casamento, conferidos aos casais do mesmo sexo os mesmos direitos e responsabilidades como qualquer outro casal. 


    A igualdade havia sido conquistada, mas se fica igual a que? 


     Mas alguns casais gays vêem o casamento como injusto, desatualizado pois discrimina solteiros. 
     Stephanie Schroeder, 50, e sua namorada, Lisa Haas, 49, que vivem juntas em Bushwick, Brooklyn, disseram acreditar que os privilégios de casamento casais e estigmatiza solteiros. " Eu não quero negar a ninguém o direito de casar-se ", disse Schroeder. Mas eu realmente não o quero pra mim.


     Casar faz parte de uma tradição que não se renova porque os atores são do mesmo ou de sexos diferentes. As mulheres reivindicam igualdade com os homens, os negros com os brancos e os homossexuais com os heterossexuais. A questão é que quando isto acontece, o homem branco heterossexual é a um só tempo o opressor e aquele que serve de modelo para a conquista de novas possibilidades.




     (*) por Sócrates Nolasco. Considerações sobre matéria publicada no N.Y Times, 26 de outubro de 2013.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Paternidade no Século XXI

     Papai sabe tudo (Father Knows best) foi o nome do seriado que estreou na televisão em 1960. Um pai querido, sua esposa e três filhos, dialogavam sobre temas cotidianos. Nesta mesma época, um outro seriado chamado Make room for daddy, se popularizou por usar como argumento um pai que tentava encontrar mais espaço no ambiente familiar. Ambas as séries, tratavam com humor temas pertinentes aos valores daquela época.


     Trinta anos se passaram, e uma nova sitcom estreou na televisão. Em 1989, Os Simpsons compunham o retrato de uma família cujas agruras eram resolvidas preponderantemente, pela mãe. Dela também faziam parte, três filhos e um pai desacreditado, bonachão e equivocado. 


     Do papai sabe tudo até Homer Simpson, a paternidade passou por mudanças significativas em sua concepção, consolidadas pelas inovações no campo da reprodução assistida e as reivindicações dos homens pela guarda dos filhos.

     Ao longo dos anos, o pai deixa de ser o ator principal e é substituído pela mãe. Como poderíamos entender estas modificações e que impactos elas teriam sobre as novas gerações?


     Muitos tem usado a denominação crise para falar destas alterações, eventualmente até um colapso masculino. Depositar o conflito sobre homens, é parte da estratégia de uma sociedade que precisa segregar para avançar.


     Por conta disto, a paternidade ficou infantilizada, banalizada ou associada a maternidade. A palavra ''Pãe"", usada para se referir a homens que cuidam dos filhos, é um exemplo disto. Em apenas trinta anos, a paternidade moveu-se de uma posição positiva para uma negativa. Foi criado um manual de boas maneiras para homens, através do qual eles aprendem como deve se comportar diante dos filhos e da mulher. 

     
     Há quem pense que o movimento de mulheres tenha provocado este deslocamento. Todavia, a desvalorização da paternidade tem menos a ver com o movimento de mulheres, do que com as mudanças ocorridas nas bases da reprodução humana. Considerar os homens como inimigos, como dizia Simone de Beauvoir, certamente contribuiu para a desqualificação da paternidade e a invenção de Homer Simpson.

     Fora destes seriados, temer o pai fazia parte do papel do filho. As mães inclusive, se valiam disto para que a criança fizesse o que elas queriam: '' vou falar com seu pai ''. Distante, o pai deveria ser exemplo de um adulto seguro e parcimoniosamente afetivo. Os homens acreditavam que deviam seguir este protocolo, tomando-o como verdade. Todavia, a paternidade transcende a dimensão individual pois situa cada indivíduo em um eixo geracional. 


     A partir dos anos 60, a imagem paterna começa a ser relativizada. De durões eles são transformados em bobões. A mudança pela qual passou a paternidade teve por base, inicialmente o afastamento do sexo da reprodução , e posteriormente a invenção da reprodução sem sexo. Nesta segunda, precisa apenas do sêmen e de um médico. O homem deixa de ser pai. Nos Estados Unidos, uma mulher que resolve ter um filho, vai a um banco de sêmen e na certidão de nascimento da criança, onde deveria constar o nome do pai, lê-se: D.I. (donor insemination/ inseminação artificial). 


     Liberar o sexo da reprodução, fez com que o prazer sexual surgisse como uma experiencia libertária. Mas também foi uma etapa necessária para que a produção acontecesse fora do corpo, sem sexo, e com eliminação da paternidade. Nesta perspectiva, teremos uma geração de crianças sem pai, e segundo o dito canadense: Père manquant, fils manque, que quer dizer: quando o pai falta, o filho manca.