segunda-feira, 16 de junho de 2014

Heterossexualizando a homossexualidade

      Nos dias de hoje, o liberalismo se associou a radicalidade do projeto individualista para ganhar fôlego e abrir frente para novos mercados. Isto não poderia ser feito sem opor prerrogativas tradicionais às individuais. Tomar o tradicional como algo a ser superado, tem sido o modo como o individualismo moderno se firmou entre os séculos XVI e XVII, chegando até nossos dias.

     O novo se opõe ao tradicional, assim tem sido. Ariès quando escreveu sobre a História Social da Criança e da Família, nos mostrou que a vitória não teria sido do individualismo, mas da família que sobreviveu durante todos esses séculos, chegando nos dias de hoje, como valor principal que serve para falarmos de tradições e retratarmos as mais novas aspirações do ponto dos casais homoparentais. Em torno da família, existem símbolos que servem ao sujeito para mantê-lo conectado tanto com as tradições, quanto a seu projeto individualista.

     Em diferentes culturas, família e reprodução estão articuladas tanto na perspectiva tradicional, quanto na individualista. Nas democracias, a família é tema de interesse para a direita e esquerda. Se a direita associa as tradições, a esquerda o faz falando de novos arranjos de conjugalidade. Sem a linguagem, dificilmente conseguiríamos compreender o sentido que isto tem para ambos. Dispor da linguagem como um fio condutor dos multiplos significados da experiência, tem permitido a Humanidade se reinventar, mas também se contentar com os limites impostos pela palavra. No caso da família, a reprodução sempre se fez presente, mesmo em casais sem filhos. Reproduzir foi o caminho encontrado para vencer o absoluto da morte, que por sua vez, não nos deixa esquecer que a morte é nosso destino natural. Portanto, natureza, reprodução e família formaram uma tríade presente nos contextos tradicionais e individualistas.

     Podemos redefinir papéis para mulheres e homens, para homo e heterossexuais, para negros e brancos, mas não podemos salvá-los da morte. Em algum momento cada um destes atores terá de lidar com esta condição, mesmo que o liberalismo individualista encontre novos produtos que lhe deem a sensação de que a morte pode ser vencida. Não temos como nos divorciar da natureza que nos constitui, apesar de simbolicamente acharmos que isto seria possível.

     Atualmente, uma certa noção de natureza tem sido usada para criticar a idéia e a partir da qual compreendemos o que é homem, mulher, hetero e homossexual. Para a cultura, isto cria novas prerrogativas de visibilidade e existência concebidas como além das tradicionalmente determinadas para ambos. Símbolo e natureza assumiram no campo das ciências humanas e sociais posições antagônicas. O que nos define: natureza ou cultura?

     Durante o Século XX, assim foram conduzidas as reflexões do gênero. Dependendo daquele que pensa, a natureza pode ser colocada no lugar da coisa burra, limitada e usada pelas tradições para produzir seus argumentos sobre família e reprodução. Por outro lado, para quem pensa assim, os argumentos sobre a cultura ganham destaque, servindo de parâmetro para dizer quem somos. Partindo deste ponto de vista, gênero e sexo foram colocados em territórios opostos. Qualquer reflexão sobre o que nos constitui é parcial, seja lá qual for o ponto de vista. Quando se antagoniza gênero a sexo, perde-se a dimensão de um contem o outro. Não há como pensar o gênero sem sexo e sexo sem gênero. Ambos estão conectados não só pela linguagem, mas pela condição humana.

     A emancipação do sujeito funcionou como eixo reivindicatório em torno do qual os desejos são modelados. Dizendo não a perspectiva tradicional, corre-se o risco de ser considerado por ela, alguém de menor valor. Por sua vez, criticar a perspectiva individualista que critica as tradições, corre-se o risco de ser taxado de reacionário e preconceituoso. Uma idéia depende do corpo para se materializar, ela não tem autonomia em reação a ele. Eu nunca vi um gênero andando sem corpo pelas ruas da cidade, tentando encontrar um corpo que se ajuste ao que se imaginou para ele. Do mesmo módulo, uma célula não define tudo sobre quem somos. Porém, nos dias de hoje, será que desejar passou a ser sinônimo de fazer sem consequência?

     Se foi o homem inventou Deus, será que ele o fez para que um dia pudesse tomar o seu lugar? Nos dias de hoje, o sujeito assumiu a um só tempo, o lugar de criador e de criatura de si mesmo, inventou um mundo no qual o outro foi eliminado, como nos lembra Baudrillard e Buber. Um mundo onde há Eu, mas não há Tu, porque este último foi eliminado. O interessante é que a família também tem conseguido sobreviver a isto.

     O feminismo e o movimento gay trouxeram importantes contribuições para o campo da cultura, problematizando papéis sociais e redefinindo o lugar de cada um na sociedade. Por ouro lado, a família e a reprodução, herdeiras das tradições, continuam sendo valor nos contextos individualistas contemporâneos. Ultimamente, tem sido recorrente encontrarmos nos jornais, matérias sobre o processo de gestação dos casais formados por duas mulheres, que se valem da inseminação artificial, para formar uma família com filhas e filhos biológicos. Neste caso, uma mulher gera o óvulo da outra. Estas novas famílias, das quais pouco se sabe sobre o desenvolvimento emocional dos filhos, o homem enquanto representação de um símbolo, não pode ser totalmente afastado, pois reaparece, in vitro, através do esperma do doador. Por sua vez, a reprodução é atualizada nestas novas formas de conceber filhos.

     Quando os humanos rompem com o encadeamento simbólico que norteiam seus desejos, se perdem dentro de uma espiral que destitui qualquer vestígio de alteridade. Sem corpo, gênero fica impedido de ter o corpo certo. Este "engano comum" é o sintoma sobre o qual fala Lacan. Mas e as crianças que estão sendo convocadas a fazer parte destes projetos, tradicionais ou não, de que maneira a escolha dos seus responsáveis a impactará ? Com elas reagirão a este projeto?

     Ainda não temos informações para falar sobre isto.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

BLACK LADEN

     A relação entre o fato e impacto causado por eles, nos auxiliam a pensar de que maneira está estruturado o pensamento vigente na sociedade carioca. Morrer por conta de uma bala perdida, de acidente de trânsito ou ainda pela negligência do Estado e de suas instituições, tem menos visibilidade do que as manifestações de rua e a respectiva presença de um grupo denominado 'black block' (BB), ou vandalos, como são chamados.

     A denominação da representação do BB ganhou relevância, importância e destaque nas mais diferentes mídias, depois que um camera morreu por conta de um artefato explosivo. Até que sua morte cerebral fosse decretada, Silviano era um desconhecido entre o grupo de pessoas presentes nas passeatas. Há um risco em ele estar ali onde estava, um risco que seria minimizado se estivesse com equipamento (EPI) dado pelo empregador, afinal ele morreu trabalhando.
     - Acidente de trabalho? ''Que absurdo'', retrucou um homem que me ouvia falar.
     - Ele morreu por conta de um boçal.


     Por outro lado, o Estado e a mídia vem associando tais atos nas manifestações de ruas a atos terroristas, com intuito de estabelecer leis para coagir tais atitudes.

     Os homens que lançaram ou participaram do lançamento, passaram a ser tratados como sujeitos com alto grau de periculosidade. A dramatização e novelização da morte de Salvador, serviu para manipular e afastar todas as contradições que existem hoje na sociedade brasileira, na sociedade dita democratica. Salvador foi elevado a condição de martir depois de sua morte, mas as condições de trabalho onde atuava, sequer foi mencionada. Antes de morrer ele era mais um no meio de tantos, mas depois de morto foi glorificado com honras. Para tanto, os homens que o mataram foram colocados no extremo oposto. O bem, e o mal e o desfecho da história do modo como interessa ao narrador.

     Cada um é responsável pelo que faz, devendo arcar com as consequências de seus próprios atos. Contudo , o excesso de glórias e martírios  que envolvem este fato, chama atenção pelo uso util que tem para a situação do momento: um Estado fechado em si mesmo, criado pra conferir posse e poder a seus representantes e não aos eleitores que lá os colocaram.

     A caça aos homens- bomba serve para tirar a responsabilidade do Estado e de suas intituições que estão diretamente envolvidas em tais situações. Não conceder EPIs para o cinegrafista, bem como, não considerar que a negligência pública como o que foi reivindicado nas ruas em 2013, fez e faz com que a violência aumente, como tem aumentado na cidade do Rio de Janeiro. Quem assim faz, está manipulando a opinião pública.

     Quem é a favor, quem é contra? Quem concorda com isto, quem discorda?

     Perguntas reducionistas que nos levam a responsabilizar o criminoso além dos seus crimes, cuja finalidade é desviar a atenção de que estamos vivendo dias de corrupção, negligência pública, enriquecimento ilitico e banalizaçao do mal.
     

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ROLLER BALL

     Foram dar um rolé no shopping, mas disseram que teriam ido protestar. Enquanto o Shopping Leblon e o Rio Design fecharam suas portas, a loja Americanas, que ficava próxima a ambos, foi invadida por um grupo de jovens que levaram, sem pagar, guloseimas e outras mercadorias da loja. Alguns disseram: '' proibir rolés, é a pura discriminação e preconceito, ..., as pessoas tem aversão a pobre, ...., a elite burguesa que não tolera povo circulando por onde ela vive''.


     O rolé está mais para um agrupamento de pessoas em torno do nada, do que algo que tenha compromisso com a mudança e transformação social. Nada é mais ''fake'' do que um ''shopping center''. Nele, o produto se presta à vender ilusão para aqueles que não conseguem conduzir a própria vida, mas dependem das publicidade para isto, Neste caso, ricos, médios e pobres são pegos pelo mesmo anzol. No shopping, a insegurança dos transeuntes se dilui na exorbitância dos preços pagos pelos produtos. Quando um objeto tem seu preço associado a marca que o representa e não a seu valor de uso, é porque a troca que o sujeito deseja obter, comprando-o, se assenta no quando a marca o fará se sentir melhor do que ele é, sua insegurança, magicamente, será substituída por afirmação social.


     Em uma sociedade como a nossa, todos estão expostos a isto. A particularidade das análises feitas e, torno do rolé, tentando ver nele algo que nele não existe, repete o mesmo evento que acontece entre o produto e a marca:  a marca vende o que não está no produto, mas que falta ao sujeito enquanto autonomia para projetar sua vida; Coca- Cola é amor. Tomar um refrigerante, não trará amor a vida de quem bebe, do mesmo modo que um rolé, não trará nenhuma afirmação aquele que se sente discriminado. Apenas liberará a raiva que o sujeito sente diante da própria impotência para conduzir sua vida.


     No passado, as pessoas iam a igrejas, terreiros e sinagogas para se encontrarem. Neles, uma identificação se produz e o sentimento de pertencer a um grupo, dava  ao sujeito uma sensação de integração importante para a sua vida. Hoje, as pessoas vão para templos de consumo, tentando sentir-se integradas, valorizadas e reconhecidas. Mas isto, não se encontrará ali. Todos andam olhando para vitrines, negligenciando a presença do outro, que pouquíssimas vezes é respeitado. O rolé não nos deixa esquecer que temos necessidades de estarmos integrados, pertencendo a grupo nos quais estabelecemos vínculos de afeto e respeito mutuo.


     '' Juntos somos um, ..., olha bonde, ..., está tudo dominado'', estes ditos apontam para anos de negligência dos governos, instituições e família que abriram a mão da responsabilidade de cuidar e dar suporte a criança e adolescentes, para que eles possam se tornar adultos, autônomos e responsáveis, por fazer existir o mundo que sonham para viver e que não se compra no mercado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cariocando o Brasil

     ''A rua é pública! " Esta frase ouvi um homem dizendo para outro que cobrava do primeiro R$ 2,00, já pagos, para estacionar seu carro. O ''flanelinha''retrucava indignado porque o motorista nao queria pagar-lhe, dizendo que existem outros ''flanelas''que chegam a cobrar R$ 5,00 para estacionar.

     Um outro dia, o morador de um prédio pedia para que o motoqueiro que concertava sua moto debaixo de sua janela, fosse fazer isto em uma oficina porque o barulho estava insuportavel. A este apelo, o motoqueiro responde: 'a rua e pública! ''

     Existem vários exemplos que podem ser dados partindo do dito: a rua é pública.

     A idéia do público vigente aqui, é que ele se presta a ser um espaço onde tudo pode ser feito, qualquer coisa que o sujeito deseje. Avançar o sinal, pisar sobre um canteiro de jardim, urinar na rua, desacatar o outro, furar fila, e tantas coisas mais, atestam que aqui a idéia de público e regida pela soberania do indivíduo. Nesta brecha, segue o uso do avião público para levar Renan até o implante de cabelos, o enriquecimento dos Sarneys se valendo da máquina pública, a mensalização da economia, o ''pibinho''.

     Fato e que quando se reinvidica o uso do público, nunca se vê a manisfestação de algo que reflita cuidado, aprimoramento ou crescimento do que acontece no público. O indivíduo aqui, quando faz uso desta máxima da liberdade, o faz para dizer : 'eu faço o que quero, ninguém manda em mim. ''Isto vai desde o ''flanela''até os executivos que trabalham no Estado.

    Há muita estrada pela frente. A res publica enquanto uma dimensão da vida social que precisa ser cuidada, cada vez mais vem perdendo a batalha para o indivíduo que na busca de prezer sem limites, se perde na própria ganância. A individualização do estado e da economia, nos levará a um aumento da antipatia de uns pelos outros, na elevaçao do derespeito, nos arremessando para um pessiminismo sem fim.

     Viver em grupo é desafio que depende do respeito como valor central. Quando se perde o respeito pelo outro, o sujeito perde o respeito por si mesmo e passa a depender de ordas que caminham impulsivamente transformando ódio em prazer. Se cariocar o Brasil for sinônimo de esperteza, se dar bem, mergulharemos cada vez mais em ondas de violência.

     É possível ouvir as palmas dos que assistem o por do sol no Arpoador, mas que depois disto, deixam todo lixo na areia da praia, seguindo tranquilo  para pegar o carro que deixaren parado sobre faixa de pedestre. Teremos chances de vencer os problemas com os quais nos deparamos nos dias de hoje, se fortalecendo o senso do grupo. Para isto, alguma renúncia será necessária, mas o que ganha  com isto é a alegria de poder viver uma vida que valha a pena. 

S/N  

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Outsider Brazilis

     Em algum momento da vida, nos deparamos com o receio de sermos excluídos. Viver com esta possibilidade, exige maestria e habilidade para rancor e vitimização não se instalem. A problemática da exclusão acompanha a humanidade desde o início, sinalizando que quando ela aparece, algo nao vai bem. Excluir é uma tentativa frustada de conferir sentido ao que sentido não tem. Raça, sexo, classe social, idéias, crenças, opiniões e pontos de vistas fornecem exemplos de aspectos onde a exclusão tem feito história.

     O outsider representa aquele a partir do qual uma exclusão se firma, fixando uma disjunção entre branco e preto, homem e mulher, pobre e rico, indígena e civilizado. O pensamento vigente, ou a moral da hora, quando está prestes a sucumbir, denigre, debocha, desqualifica o que não compreende e o que para ela não tem sentido.


     Histórias sobre outsiders ja foram contadas pela literatura e pelo cinema que, por vezes, os glorificava. Caracterizado como estranho, incomum ou estrangeiro, tais histórias retratam a vida do indivíduo que viviam a margem do que se convencionou a ser usual. Contudo, a questão nao se assenta apenas no sujeito, o outsider problematiza o ponto de vista naturalizado sobre as coisas, o modo único de ver o mundo e a maneira, ou ainda, saber por que muitos fazem do consenso um sinônimo para a verdade.


     Escrito por Colin Wilson, The outsider foi um livro publicado em londres no ano de 1956. Elaborado no pós-guerra, e através de uma perspectiva existencialista, Wilson conduz sua narrativa cotejando as visões de Nietzsche, Dostoiévski, kafka, HG. Wells, T. Lawrence, George Bernard Shaw, Hemingway, Van Gogh, William Blake, Nijinsky e Ramakrishna, um místico do século XIX, porque em cada uma delas é possível encontramos um ponto de vista incomum sobre a sociedade. Estes autores, repudiavam o banal vigente na concepção de mundo em torno do qual muitos davam sentido as suas vidas.


     Para Wilson, o outsider não é uma aberração, mas um sujeito sensível ao que vive. Ele ''é principalmente um crítico, e como crítico, sente profundamente o que está criticando, se tornando um profeta de seu mundo.'' Creio que Wilson tenha sentido na pele, as agruras de fazer parte de um tempo no qual a interpretação de mundo diferia radicalmente da sua.

     Em uma entrevista no ano de 1998, Wilson afirmou que nao pensava a vida com um acaso sem sentido, lançado mão das prerrogativas de Satre. Segundo ele: ''meu sentimento sempre foi o o contrário , acredito que a humanidade esteja à beira de um salto evolutivo para um estágio mais elevado. ''Como brasileiro me pergunto: será meu caro Wilson?


     Os heróis do século XVII olhavam para dentro deles próprios tentando encontrar um sentido para as suas vidas, Hamelet é exemplo de um deles. Nos dias de hoje, a denominação outsider caiu em desuso pois para a grande maioria, pouco importa a condição humana se o sujeito tem seu celular, faz parte de redes sociais  e é membro da geração Y ou Z.

     Distante de Londres, o sujeito brazilis, imagino que nasceu pronto, portanto, se existe condição humana, ele é quem estabelece os parâmetros para tal e muda quando lhê convêm. O celular e as redes o completam, ele se sente um cidadão do mundo por que passa horas do seu dia conectado a algum aparelho. Wilson manteve um desdém pelo modo de vida de seu tempo, alegando que no vazio pouco se pode encontrar além de uma ausência de significação que dezumaniza, manipula e engana. Assim como aconteceu com a máquina de datilografia e a fita K7, o outsider virou peça de museu.





    (*) Sócrates Nolasco, dez/2013


   

domingo, 8 de dezembro de 2013

Igualdade Perante a Lei

     A lei tem sido parâmetro utilizado pelas sociedades democráticas para afirmar seu principal credo: o indivíduo é o valor. Em torno desta premissa o casamento pode ser repensado, bem como a família e a orientação sexual. Os anos 60 foram marcados por reflexões que até hoje servem como fio condutor para se pensar as liberdades individuais. A idéia de que estabelece que a minha liberdade é a liberdade do outro. Segundo este ponto de vista, a idéia de igualdade chega até do direito e leis são criadas. Homens e mulheres, brancos e outras etnias, hétero, homo e outras identidades sociais são contempladas pelo que até então era apenas direito do homem, branco e heterossexual .


     Quem pode ser casar? Quem deve usar elevador de serviço ou sentar no banco traseiro de um ônibus? Salários iguais para homens e mulheres? Os anos 60, 70 e 80 foram anos de conquista e afirmação do princípio da igualdade a partir dos quais as mulheres conquistaram sua reivindicação, os negros denunciaram o preconceito e homossexuais deixaram de ser considerados doentes pelo Código Internacional de Doenças Mentais, no ano de 1982. Nesta época, a alegria gerada por cada uma destas conquistas não permitiu que se pudesse pensar sobre: '' ficaremos iguais a que exatamente?''


     No mês passado, quando um juiz de Nova Jersey decidiu que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deveria ser legalizado, um homem que vive com outro a dezoito anos exclamou: "wow really" E complementou: "Nós estamos casados em todos os sentidos, isto não vai mudar nada em termos de como nos sentimos um em relação ao outros", disse Blatz que não vê muito sentido em se casar legalmente. 


     Contudo, eles não são os únicos a pensarem desta forma. Nos EUA o casamento entre pessoas do mesmo sexo é lei em catorze estados. Neles, todos tem o mesmos direitos e responsabilidades dos casais heterossexuais. Os casais homossexuais estão correndo para o altar? Não exatamente. Um grande número de casais homossexuais não querem se casar e seus motivos não são tão complexos e pessoais quanto a decisão de se casar.


     Para alguns, o casamento é uma instituição ultrapassada que leva os casais do mesmo sexo a adotarem o padrão que perpassa o imaginário social que criticam. Para outros, o casamento impõe encargos financeiros e complicações legais. Ainda há os que vêem o casamento não como um conto de fadas, mas como uma empreitada difícil para ser administrada que pode terminar em divórcio. E ainda há os que vêem o casamento como algo que vai contra suas crenças do que seja a união entre duas pessoas.


     " O casamento vem de um modelo muito, muito arcaico", disse Sean Fades, 34 anos, um artista de Nova York que foi o único que pediu para ser identificado como gay. " O casamento faz parte do modelo cristão opressivo que diz: ' Escolha uma pessoa que vai ser tudo para você, eles tem que ser perfeito, então, façam uma casa e tenha filhos,  se assim for, você será feliz. 'Muitos casais heterossexuais se sentem da mesma forma'', acrescentou. Afinal, nem todos os casais heterossexuais optam por se casar. Mas os casais do mesmo sexo parecem mais inclinados a serem um bom nicho de mercado para casamento e os serviços que são oferecidos para que ele se realize. 


     De acordo com  uma pesquisa da "Pew Research" divulga em junho deste ano, mais de 50% dos GLBT querem se casar. Mas se o casamento foi visto pelo feminismo como um modelo de opressão em relação a mulher, por que ele estaria sendo bem vindo para este grupo que viveu e vive a discriminação de uma forma sociedade que se apoia sobre a ideia de casamento?  


     A tensão feminista se manteve firme nos primeiros anos do movimento pelos direitos dos homossexuais. Paula L. Ettelbrick, figura de destaque na luta pelos direitos de gays e lésbicas, estava entre as opositoras do casamento entre pessoas do mesmo sexo, apresentando uma visão bem mais ampla acerca do que seja relacionamentos e família. Em 1989 disse ela a extinta Revist Out: " Não quero dar ao Estado o poder de regular o meu relacionamento com alguém". 


     Mas isso foi antes do casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornar realidade, pois os estados nortes americanos estenderam os direitos aos casais do mesmo sexo, e em seguida o Supremo Tribunal destruiu a Lei de Defesa do Casamento, conferidos aos casais do mesmo sexo os mesmos direitos e responsabilidades como qualquer outro casal. 


    A igualdade havia sido conquistada, mas se fica igual a que? 


     Mas alguns casais gays vêem o casamento como injusto, desatualizado pois discrimina solteiros. 
     Stephanie Schroeder, 50, e sua namorada, Lisa Haas, 49, que vivem juntas em Bushwick, Brooklyn, disseram acreditar que os privilégios de casamento casais e estigmatiza solteiros. " Eu não quero negar a ninguém o direito de casar-se ", disse Schroeder. Mas eu realmente não o quero pra mim.


     Casar faz parte de uma tradição que não se renova porque os atores são do mesmo ou de sexos diferentes. As mulheres reivindicam igualdade com os homens, os negros com os brancos e os homossexuais com os heterossexuais. A questão é que quando isto acontece, o homem branco heterossexual é a um só tempo o opressor e aquele que serve de modelo para a conquista de novas possibilidades.




     (*) por Sócrates Nolasco. Considerações sobre matéria publicada no N.Y Times, 26 de outubro de 2013.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Paternidade no Século XXI

     Papai sabe tudo (Father Knows best) foi o nome do seriado que estreou na televisão em 1960. Um pai querido, sua esposa e três filhos, dialogavam sobre temas cotidianos. Nesta mesma época, um outro seriado chamado Make room for daddy, se popularizou por usar como argumento um pai que tentava encontrar mais espaço no ambiente familiar. Ambas as séries, tratavam com humor temas pertinentes aos valores daquela época.


     Trinta anos se passaram, e uma nova sitcom estreou na televisão. Em 1989, Os Simpsons compunham o retrato de uma família cujas agruras eram resolvidas preponderantemente, pela mãe. Dela também faziam parte, três filhos e um pai desacreditado, bonachão e equivocado. 


     Do papai sabe tudo até Homer Simpson, a paternidade passou por mudanças significativas em sua concepção, consolidadas pelas inovações no campo da reprodução assistida e as reivindicações dos homens pela guarda dos filhos.

     Ao longo dos anos, o pai deixa de ser o ator principal e é substituído pela mãe. Como poderíamos entender estas modificações e que impactos elas teriam sobre as novas gerações?


     Muitos tem usado a denominação crise para falar destas alterações, eventualmente até um colapso masculino. Depositar o conflito sobre homens, é parte da estratégia de uma sociedade que precisa segregar para avançar.


     Por conta disto, a paternidade ficou infantilizada, banalizada ou associada a maternidade. A palavra ''Pãe"", usada para se referir a homens que cuidam dos filhos, é um exemplo disto. Em apenas trinta anos, a paternidade moveu-se de uma posição positiva para uma negativa. Foi criado um manual de boas maneiras para homens, através do qual eles aprendem como deve se comportar diante dos filhos e da mulher. 

     
     Há quem pense que o movimento de mulheres tenha provocado este deslocamento. Todavia, a desvalorização da paternidade tem menos a ver com o movimento de mulheres, do que com as mudanças ocorridas nas bases da reprodução humana. Considerar os homens como inimigos, como dizia Simone de Beauvoir, certamente contribuiu para a desqualificação da paternidade e a invenção de Homer Simpson.

     Fora destes seriados, temer o pai fazia parte do papel do filho. As mães inclusive, se valiam disto para que a criança fizesse o que elas queriam: '' vou falar com seu pai ''. Distante, o pai deveria ser exemplo de um adulto seguro e parcimoniosamente afetivo. Os homens acreditavam que deviam seguir este protocolo, tomando-o como verdade. Todavia, a paternidade transcende a dimensão individual pois situa cada indivíduo em um eixo geracional. 


     A partir dos anos 60, a imagem paterna começa a ser relativizada. De durões eles são transformados em bobões. A mudança pela qual passou a paternidade teve por base, inicialmente o afastamento do sexo da reprodução , e posteriormente a invenção da reprodução sem sexo. Nesta segunda, precisa apenas do sêmen e de um médico. O homem deixa de ser pai. Nos Estados Unidos, uma mulher que resolve ter um filho, vai a um banco de sêmen e na certidão de nascimento da criança, onde deveria constar o nome do pai, lê-se: D.I. (donor insemination/ inseminação artificial). 


     Liberar o sexo da reprodução, fez com que o prazer sexual surgisse como uma experiencia libertária. Mas também foi uma etapa necessária para que a produção acontecesse fora do corpo, sem sexo, e com eliminação da paternidade. Nesta perspectiva, teremos uma geração de crianças sem pai, e segundo o dito canadense: Père manquant, fils manque, que quer dizer: quando o pai falta, o filho manca.