segunda-feira, 16 de junho de 2014

Heterossexualizando a homossexualidade

      Nos dias de hoje, o liberalismo se associou a radicalidade do projeto individualista para ganhar fôlego e abrir frente para novos mercados. Isto não poderia ser feito sem opor prerrogativas tradicionais às individuais. Tomar o tradicional como algo a ser superado, tem sido o modo como o individualismo moderno se firmou entre os séculos XVI e XVII, chegando até nossos dias.

     O novo se opõe ao tradicional, assim tem sido. Ariès quando escreveu sobre a História Social da Criança e da Família, nos mostrou que a vitória não teria sido do individualismo, mas da família que sobreviveu durante todos esses séculos, chegando nos dias de hoje, como valor principal que serve para falarmos de tradições e retratarmos as mais novas aspirações do ponto dos casais homoparentais. Em torno da família, existem símbolos que servem ao sujeito para mantê-lo conectado tanto com as tradições, quanto a seu projeto individualista.

     Em diferentes culturas, família e reprodução estão articuladas tanto na perspectiva tradicional, quanto na individualista. Nas democracias, a família é tema de interesse para a direita e esquerda. Se a direita associa as tradições, a esquerda o faz falando de novos arranjos de conjugalidade. Sem a linguagem, dificilmente conseguiríamos compreender o sentido que isto tem para ambos. Dispor da linguagem como um fio condutor dos multiplos significados da experiência, tem permitido a Humanidade se reinventar, mas também se contentar com os limites impostos pela palavra. No caso da família, a reprodução sempre se fez presente, mesmo em casais sem filhos. Reproduzir foi o caminho encontrado para vencer o absoluto da morte, que por sua vez, não nos deixa esquecer que a morte é nosso destino natural. Portanto, natureza, reprodução e família formaram uma tríade presente nos contextos tradicionais e individualistas.

     Podemos redefinir papéis para mulheres e homens, para homo e heterossexuais, para negros e brancos, mas não podemos salvá-los da morte. Em algum momento cada um destes atores terá de lidar com esta condição, mesmo que o liberalismo individualista encontre novos produtos que lhe deem a sensação de que a morte pode ser vencida. Não temos como nos divorciar da natureza que nos constitui, apesar de simbolicamente acharmos que isto seria possível.

     Atualmente, uma certa noção de natureza tem sido usada para criticar a idéia e a partir da qual compreendemos o que é homem, mulher, hetero e homossexual. Para a cultura, isto cria novas prerrogativas de visibilidade e existência concebidas como além das tradicionalmente determinadas para ambos. Símbolo e natureza assumiram no campo das ciências humanas e sociais posições antagônicas. O que nos define: natureza ou cultura?

     Durante o Século XX, assim foram conduzidas as reflexões do gênero. Dependendo daquele que pensa, a natureza pode ser colocada no lugar da coisa burra, limitada e usada pelas tradições para produzir seus argumentos sobre família e reprodução. Por outro lado, para quem pensa assim, os argumentos sobre a cultura ganham destaque, servindo de parâmetro para dizer quem somos. Partindo deste ponto de vista, gênero e sexo foram colocados em territórios opostos. Qualquer reflexão sobre o que nos constitui é parcial, seja lá qual for o ponto de vista. Quando se antagoniza gênero a sexo, perde-se a dimensão de um contem o outro. Não há como pensar o gênero sem sexo e sexo sem gênero. Ambos estão conectados não só pela linguagem, mas pela condição humana.

     A emancipação do sujeito funcionou como eixo reivindicatório em torno do qual os desejos são modelados. Dizendo não a perspectiva tradicional, corre-se o risco de ser considerado por ela, alguém de menor valor. Por sua vez, criticar a perspectiva individualista que critica as tradições, corre-se o risco de ser taxado de reacionário e preconceituoso. Uma idéia depende do corpo para se materializar, ela não tem autonomia em reação a ele. Eu nunca vi um gênero andando sem corpo pelas ruas da cidade, tentando encontrar um corpo que se ajuste ao que se imaginou para ele. Do mesmo módulo, uma célula não define tudo sobre quem somos. Porém, nos dias de hoje, será que desejar passou a ser sinônimo de fazer sem consequência?

     Se foi o homem inventou Deus, será que ele o fez para que um dia pudesse tomar o seu lugar? Nos dias de hoje, o sujeito assumiu a um só tempo, o lugar de criador e de criatura de si mesmo, inventou um mundo no qual o outro foi eliminado, como nos lembra Baudrillard e Buber. Um mundo onde há Eu, mas não há Tu, porque este último foi eliminado. O interessante é que a família também tem conseguido sobreviver a isto.

     O feminismo e o movimento gay trouxeram importantes contribuições para o campo da cultura, problematizando papéis sociais e redefinindo o lugar de cada um na sociedade. Por ouro lado, a família e a reprodução, herdeiras das tradições, continuam sendo valor nos contextos individualistas contemporâneos. Ultimamente, tem sido recorrente encontrarmos nos jornais, matérias sobre o processo de gestação dos casais formados por duas mulheres, que se valem da inseminação artificial, para formar uma família com filhas e filhos biológicos. Neste caso, uma mulher gera o óvulo da outra. Estas novas famílias, das quais pouco se sabe sobre o desenvolvimento emocional dos filhos, o homem enquanto representação de um símbolo, não pode ser totalmente afastado, pois reaparece, in vitro, através do esperma do doador. Por sua vez, a reprodução é atualizada nestas novas formas de conceber filhos.

     Quando os humanos rompem com o encadeamento simbólico que norteiam seus desejos, se perdem dentro de uma espiral que destitui qualquer vestígio de alteridade. Sem corpo, gênero fica impedido de ter o corpo certo. Este "engano comum" é o sintoma sobre o qual fala Lacan. Mas e as crianças que estão sendo convocadas a fazer parte destes projetos, tradicionais ou não, de que maneira a escolha dos seus responsáveis a impactará ? Com elas reagirão a este projeto?

     Ainda não temos informações para falar sobre isto.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

BLACK LADEN

     A relação entre o fato e impacto causado por eles, nos auxiliam a pensar de que maneira está estruturado o pensamento vigente na sociedade carioca. Morrer por conta de uma bala perdida, de acidente de trânsito ou ainda pela negligência do Estado e de suas instituições, tem menos visibilidade do que as manifestações de rua e a respectiva presença de um grupo denominado 'black block' (BB), ou vandalos, como são chamados.

     A denominação da representação do BB ganhou relevância, importância e destaque nas mais diferentes mídias, depois que um camera morreu por conta de um artefato explosivo. Até que sua morte cerebral fosse decretada, Silviano era um desconhecido entre o grupo de pessoas presentes nas passeatas. Há um risco em ele estar ali onde estava, um risco que seria minimizado se estivesse com equipamento (EPI) dado pelo empregador, afinal ele morreu trabalhando.
     - Acidente de trabalho? ''Que absurdo'', retrucou um homem que me ouvia falar.
     - Ele morreu por conta de um boçal.


     Por outro lado, o Estado e a mídia vem associando tais atos nas manifestações de ruas a atos terroristas, com intuito de estabelecer leis para coagir tais atitudes.

     Os homens que lançaram ou participaram do lançamento, passaram a ser tratados como sujeitos com alto grau de periculosidade. A dramatização e novelização da morte de Salvador, serviu para manipular e afastar todas as contradições que existem hoje na sociedade brasileira, na sociedade dita democratica. Salvador foi elevado a condição de martir depois de sua morte, mas as condições de trabalho onde atuava, sequer foi mencionada. Antes de morrer ele era mais um no meio de tantos, mas depois de morto foi glorificado com honras. Para tanto, os homens que o mataram foram colocados no extremo oposto. O bem, e o mal e o desfecho da história do modo como interessa ao narrador.

     Cada um é responsável pelo que faz, devendo arcar com as consequências de seus próprios atos. Contudo , o excesso de glórias e martírios  que envolvem este fato, chama atenção pelo uso util que tem para a situação do momento: um Estado fechado em si mesmo, criado pra conferir posse e poder a seus representantes e não aos eleitores que lá os colocaram.

     A caça aos homens- bomba serve para tirar a responsabilidade do Estado e de suas intituições que estão diretamente envolvidas em tais situações. Não conceder EPIs para o cinegrafista, bem como, não considerar que a negligência pública como o que foi reivindicado nas ruas em 2013, fez e faz com que a violência aumente, como tem aumentado na cidade do Rio de Janeiro. Quem assim faz, está manipulando a opinião pública.

     Quem é a favor, quem é contra? Quem concorda com isto, quem discorda?

     Perguntas reducionistas que nos levam a responsabilizar o criminoso além dos seus crimes, cuja finalidade é desviar a atenção de que estamos vivendo dias de corrupção, negligência pública, enriquecimento ilitico e banalizaçao do mal.
     

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ROLLER BALL

     Foram dar um rolé no shopping, mas disseram que teriam ido protestar. Enquanto o Shopping Leblon e o Rio Design fecharam suas portas, a loja Americanas, que ficava próxima a ambos, foi invadida por um grupo de jovens que levaram, sem pagar, guloseimas e outras mercadorias da loja. Alguns disseram: '' proibir rolés, é a pura discriminação e preconceito, ..., as pessoas tem aversão a pobre, ...., a elite burguesa que não tolera povo circulando por onde ela vive''.


     O rolé está mais para um agrupamento de pessoas em torno do nada, do que algo que tenha compromisso com a mudança e transformação social. Nada é mais ''fake'' do que um ''shopping center''. Nele, o produto se presta à vender ilusão para aqueles que não conseguem conduzir a própria vida, mas dependem das publicidade para isto, Neste caso, ricos, médios e pobres são pegos pelo mesmo anzol. No shopping, a insegurança dos transeuntes se dilui na exorbitância dos preços pagos pelos produtos. Quando um objeto tem seu preço associado a marca que o representa e não a seu valor de uso, é porque a troca que o sujeito deseja obter, comprando-o, se assenta no quando a marca o fará se sentir melhor do que ele é, sua insegurança, magicamente, será substituída por afirmação social.


     Em uma sociedade como a nossa, todos estão expostos a isto. A particularidade das análises feitas e, torno do rolé, tentando ver nele algo que nele não existe, repete o mesmo evento que acontece entre o produto e a marca:  a marca vende o que não está no produto, mas que falta ao sujeito enquanto autonomia para projetar sua vida; Coca- Cola é amor. Tomar um refrigerante, não trará amor a vida de quem bebe, do mesmo modo que um rolé, não trará nenhuma afirmação aquele que se sente discriminado. Apenas liberará a raiva que o sujeito sente diante da própria impotência para conduzir sua vida.


     No passado, as pessoas iam a igrejas, terreiros e sinagogas para se encontrarem. Neles, uma identificação se produz e o sentimento de pertencer a um grupo, dava  ao sujeito uma sensação de integração importante para a sua vida. Hoje, as pessoas vão para templos de consumo, tentando sentir-se integradas, valorizadas e reconhecidas. Mas isto, não se encontrará ali. Todos andam olhando para vitrines, negligenciando a presença do outro, que pouquíssimas vezes é respeitado. O rolé não nos deixa esquecer que temos necessidades de estarmos integrados, pertencendo a grupo nos quais estabelecemos vínculos de afeto e respeito mutuo.


     '' Juntos somos um, ..., olha bonde, ..., está tudo dominado'', estes ditos apontam para anos de negligência dos governos, instituições e família que abriram a mão da responsabilidade de cuidar e dar suporte a criança e adolescentes, para que eles possam se tornar adultos, autônomos e responsáveis, por fazer existir o mundo que sonham para viver e que não se compra no mercado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cariocando o Brasil

     ''A rua é pública! " Esta frase ouvi um homem dizendo para outro que cobrava do primeiro R$ 2,00, já pagos, para estacionar seu carro. O ''flanelinha''retrucava indignado porque o motorista nao queria pagar-lhe, dizendo que existem outros ''flanelas''que chegam a cobrar R$ 5,00 para estacionar.

     Um outro dia, o morador de um prédio pedia para que o motoqueiro que concertava sua moto debaixo de sua janela, fosse fazer isto em uma oficina porque o barulho estava insuportavel. A este apelo, o motoqueiro responde: 'a rua e pública! ''

     Existem vários exemplos que podem ser dados partindo do dito: a rua é pública.

     A idéia do público vigente aqui, é que ele se presta a ser um espaço onde tudo pode ser feito, qualquer coisa que o sujeito deseje. Avançar o sinal, pisar sobre um canteiro de jardim, urinar na rua, desacatar o outro, furar fila, e tantas coisas mais, atestam que aqui a idéia de público e regida pela soberania do indivíduo. Nesta brecha, segue o uso do avião público para levar Renan até o implante de cabelos, o enriquecimento dos Sarneys se valendo da máquina pública, a mensalização da economia, o ''pibinho''.

     Fato e que quando se reinvidica o uso do público, nunca se vê a manisfestação de algo que reflita cuidado, aprimoramento ou crescimento do que acontece no público. O indivíduo aqui, quando faz uso desta máxima da liberdade, o faz para dizer : 'eu faço o que quero, ninguém manda em mim. ''Isto vai desde o ''flanela''até os executivos que trabalham no Estado.

    Há muita estrada pela frente. A res publica enquanto uma dimensão da vida social que precisa ser cuidada, cada vez mais vem perdendo a batalha para o indivíduo que na busca de prezer sem limites, se perde na própria ganância. A individualização do estado e da economia, nos levará a um aumento da antipatia de uns pelos outros, na elevaçao do derespeito, nos arremessando para um pessiminismo sem fim.

     Viver em grupo é desafio que depende do respeito como valor central. Quando se perde o respeito pelo outro, o sujeito perde o respeito por si mesmo e passa a depender de ordas que caminham impulsivamente transformando ódio em prazer. Se cariocar o Brasil for sinônimo de esperteza, se dar bem, mergulharemos cada vez mais em ondas de violência.

     É possível ouvir as palmas dos que assistem o por do sol no Arpoador, mas que depois disto, deixam todo lixo na areia da praia, seguindo tranquilo  para pegar o carro que deixaren parado sobre faixa de pedestre. Teremos chances de vencer os problemas com os quais nos deparamos nos dias de hoje, se fortalecendo o senso do grupo. Para isto, alguma renúncia será necessária, mas o que ganha  com isto é a alegria de poder viver uma vida que valha a pena. 

S/N